Personalidade Folclórica de Ipiaú: Veras; o atrevimento nos dois lados da moeda

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De milionário a mendigo. A história foi contada nos principais jornais do Brasil.
A extravagância foi a sua marca registrada. Gastou tudo o que possuía e nunca demonstrou arrependimento. Do mesmo jeito que tratou as celebridades que compartilharam os seus momentos de fausto, considerou os mendigos que lhe acolheram nos obscuros espaços das sarjetas. Divaldo Angelin Veras cunhou a sua imagem nos dois lados da moeda. Nunca evidenciou qualquer tipo de arrependimento e anarquizou enquanto pôde. Escandalizou de todo jeito. ”É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso”, repetia os dizeres do poeta inglês Charles Baudelaire como a própria afirmativa de sua existência. A história de Veras foi contada pelos mais importantes órgãos da imprensa nacional (Fantástico, Isto É, Jornal do Brasil, A Tarde), tornou-se tema de filmes e documentários, motivou debates e até estudos sociológicos. Esnobava ao dizer que tinha ensinado os cacauicultores da região de Ipiaú a gastar dinheiro. Estes nem sequer assistiram “ao formidável enterro da sua última quimera”. Quase foi sepultado como indigente.

Veras brindando com a escritora Regina Echeverria  

“Nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do seu quarto”, Veras plantou provocações. Percorreu o mundo, desfrutou luxurias, promoveu festas imensas, teve “amigos” famosos: Pelé, Fernanda Montenegro, Amália Rodrigues, Sônia Braga, Carlos Bastos, Michael Douglas, Lennie Dale, Dzi Croquettes.Morou em Nova York,viveu no Leblon,desfilou em carrões pela Avenida Paulista, trajou-se como príncipe, cortejou mulheres lindas, guapos de encomenda. Tinha aviões e era habilidoso pára-quedista. Nos psicodélicos anos 60/70 foi dono da boate Anjo Azul, point da vanguarda e fermentação cultural soteropolitana. Ali, em uma noite de muita loucura, namorou a pop star Janes Joplin que passava uma temporada na Bahia. Tempos depois definiu a famosa roqueira como “Feia e Fedorenta”. Veras falava cinco idiomas, fazia poesias, colecionava obras de arte e casou-se com Popó, uma das filhas do milionário Edízio Muniz Ferreira, o maior cacauicultor individual do mundo. Nas sucessivas orgias “cheirou” toda a fortuna que fisgou sem qualquer esforço. Ficou duro, mas não perdeu a ternura. Sem grana foi abandonado pelos famosos, em compensação ganhou o acolhimento dos mendigos. No Porto da Barra, em Salvador, era o único que pedia esmola em inglês. Isso lhe garantia a proteção dos demais. Dividia com todos o que recebia dos gringos. Trouxeram-lhe de volta à Ipiaú.  

Não aceitou tutelas e passou a morar em um beco dos “Dez Quartos”, antigo brega da cidade. Ali bebia, fumava, atendia à malandragem, concedia entrevistas, escrevia e lia. Lia muito. Jean Ginet, Rimbaud e Baudelaire eram os seus autores prediletos. De Baudelaire repetia: “Para não sentirdes o horrível fardo do tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar”. E assim fazia. A escritora Regina Echeverria escreveu a biografia de Cazuza e queria também escrever a biografia de Veras. A Editora Corrupio publicaria o livro. Poesias inéditas e outros relatos completariam a obra. O projeto não vingou e os originais se perderam. Veras pouco se importou com isso. A ele bastava declamar os poemas que ainda guardava na memória: “Habita em mim um ser que veste hábito. Que prometeu sempre me levar em direção ao puro e sacrossanto, quando o meu eu pensa que não há. Espero sempre o meu, eu, velho monge, adormecer para o meu eu jovem na vida, se atirar. Se arriscando às ilusões da vida que o meu eu, velho monge, sabe que há”. (Giro/José Américo Castro)

 

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